Olhos d’Água: Conceição Evaristo escreve com o corpo, a memória e a dor
- Brenda Destro

- 17 de jul.
- 2 min de leitura

Conceição Evaristo não escreve para entreter. Ela escreve para existir. Mulher negra, mineira, nascida em uma favela de Belo Horizonte e filha de lavadeira, Conceição cresceu entre palavras e silêncios que moldaram sua escrita firme, sensível e urgente. Com formação em Letras e um doutorado na bagagem, sua obra se impõe sem pedir licença. Ela escreve o que chama de escrevivência: a escrita marcada por vivências reais, sobretudo das mulheres negras brasileiras.
Olhos d’Água foi meu primeiro contato com a autora, e que leitura. São 15 contos curtos, mas nenhum deles passa leve. Se, como a própria Conceição diz, “escrever é uma maneira de sangrar”, neste livro ela sangra muito e faz a gente sangrar junto. Cada texto é uma ferida aberta, mas também um grito de resistência.
Logo no primeiro conto, que dá título ao livro, me emocionei. A filha, narrando a história da mãe, me pegou de surpresa. Há uma dor contida, mas também uma ternura que pulsa em cada frase. O amor de mãe atravessa o texto. A fome, o abandono e a luta pela dignidade são retratados com uma força quase palpável. Fiquei com os olhos marejados e o coração, cheio.
Depois veio Maria. E confesso: quase chorei de novo. Maria poderia ser qualquer mulher preta da periferia. Ou todas. Violentada pela vida, pelos homens, pela desigualdade. Sua história é cruel e triste, mas escrita com tamanha delicadeza que parece poesia. Conceição tem esse dom: escreve sobre tragédias sem sensacionalismo, sem piedade, mas com respeito. Com humanidade.

Outros contos também me tocaram, como Duzu-Querença, Ana Davenga, entre tantos. Todos eles têm algo em comum: a presença marcante das mulheres negras, ora como protagonistas, ora como fantasmas que rondam os silêncios da narrativa. São mulheres fortes, mas não no clichê da mulher que aguenta tudo. Fortes porque resistem mesmo quando não querem mais resistir.
Para mim, a escrita de Conceição é enxuta, mas carregada de emoção. Não tem floreio, não tem enfeite, só verdade. E talvez por isso doa tanto. É como se a autora estivesse falando direto com a gente, sem rodeios, sem filtro.
Ler Olhos d’Água foi mais que uma experiência literária. Foi um lembrete do quanto a literatura pode ser ferramenta de denúncia, memória e cura. Me vi, em muitos momentos, desconfortável. E isso é bom. Literatura que conforta demais, às vezes, não mexe em nada.
Esse foi meu primeiro livro da Conceição Evaristo, mas com certeza não será o último. Fico feliz por ter começado por esse. Saí da leitura com mais empatia, mais consciência, e também mais vontade de conhecer outras vozes como a dela.
Olhos d’Água é um livro necessário. Para quem quer sentir. Para quem quer entender. Para quem quer ou precisa lembrar que, neste país, ser mulher e ser negra ainda é um ato de resistência diária.






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