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O Desabamento: um retrato devastador sobre vício, desigualdade social e vínculos familiares quebrados

  • Foto do escritor: Brenda Destro
    Brenda Destro
  • 10 de jul.
  • 3 min de leitura

TW: violência contra a mulher, embriaguez, homofobia

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"O Desabamento", de Édouard Louis, é um mergulho brutal e necessário nos traumas familiares, nas múltiplas formas de violência e nas feridas abertas pelas desigualdades sociais. Com uma narrativa crua e profundamente honesta, o autor reconstrói a história do irmão — um homem marcado pelo vício em álcool, pela agressividade e pelo abandono — que morreu prematuramente.


O livro me capturou logo nas primeiras linhas. Foi meu primeiro contato com a literatura francesa contemporânea, e não poderia ter começado de forma mais impactante. O autor nos entrega uma escrita que sangra, que não evita o incômodo e que não romantiza os laços familiares apenas por serem biológicos.


Ao longo de todo o livro, Édouard Louis faz questão de relembrar sua condição social inferior — algo que atravessa toda a sua obra. Ele narra, com lucidez e revolta, como a pobreza, a exclusão e a violência moldaram tanto sua infância quanto a trajetória trágica do irmão. A desigualdade social não é pano de fundo: é o chão instável sobre o qual todos os personagens caminham.


Essa consciência de classe aparece mesmo nos momentos mais íntimos, como quando ele reconhece que parte do distanciamento com a família também se deu porque, ao sair da cidade onde nasceu e conquistar certa ascensão intelectual, ele se tornou "o diferente", "o envergonhado das próprias origens".


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A relação entre os dois irmãos era praticamente inexistente. Eles não se falavam havia mais de uma década. Ainda assim, ao saber da morte repentina do irmão, Édouard inicia uma busca intensa — quase desesperada — por entender quem ele era. Essa jornada o leva a descobrir nuances inesperadas: em meio a tanto ódio e hostilidade, havia traços de carinho, como quando o irmão o chamava de “irmãozinho”.


Esse gesto, aparentemente simples, carrega um contraste brutal: como pode o mesmo homem que foi violento e homofóbico demonstrar afeto? Louis não tenta resolver essa contradição — ele a expõe. E talvez aí resida a beleza dolorosa do livro: em assumir a complexidade das relações familiares e das emoções humanas, sem buscar respostas fáceis.


O irmão, retratado sem filtro, é uma figura difícil de amar: agressivo, afundado no álcool, resistente a qualquer tentativa de acolhimento. Ainda assim, Louis não o demoniza. Ele nos convida a compreender como o contexto de miséria, masculinidade tóxica e falta de perspectivas pode destruir um ser humano por dentro — até que ele se torne irreconhecível até para si mesmo.


Em certo momento, Louis cita a escritora Jamaica Kincaid, que disse ter se tornado escritora por desespero. Édouard também escreve por desespero — e por sobrevivência. A escrita é seu modo de elaborar o luto, mas também de denunciar as violências simbólicas e concretas sofridas por sua família, marcada por gerações de exclusão social.


Sua vulnerabilidade gera identificação imediata. Você não precisa ter perdido um irmão, nem vivido violência física, para ser atravessado por essa leitura. Muitas vezes, basta ter convivido com silêncios, distâncias e afetos mal resolvidos dentro da própria família.


“Família é assim: primeiro ela te expulsa, depois te critica por fugir.”


Essa é uma das frases mais fortes do livro — e, para mim, uma das mais verdadeiras. O autor não suaviza a dor de crescer em um lar onde o amor é rarefeito e condicionado. Ao contrário, ele a confronta com a frieza dos fatos e a intensidade de quem viveu tudo na pele.


O desabamento é um livro necessário. Para quem lida com conflitos familiares. Para quem já se sentiu culpado por cortar vínculos. Para quem cresceu em ambientes de violência, pobreza ou exclusão. Para quem entende que os afetos não são simples — e que o passado sempre nos encontra, mesmo quando tentamos enterrá-lo.


Ah, e para quem quiser aprofundar a experiência, preparei uma playlist para acompanhar a leitura — com músicas que ajudam a entrar ainda mais nesse clima introspectivo e dilacerante. [Clique aqui para ouvir]


Agora, vamos aos trechos do livro que mais me impactaram:



"[...] talvez a gente só possa ficar verdadeira e autenticamente consternado quando é tarde demais, não sei". p.8
"A vida do meu irmão se inicia com sua Ferida". p.30
"Nesse dia eu gostaria de ter ido com os dois para o quarto para fugir do peso da conversa, para ter o privilégio da infância, isto é, o privilégio da leveza e do sumiço legítimo". p.72

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